A professora assaltada
LUÍS AUGUSTO FISCHER
- Ao ler a notícia da professora assaltada por um seu aluno, semana retrasada, o senhor pensou que finalmente estamos no fundo do poço, não pensou? Pois o senhor está enganado. O fundo do poço já passou faz tempo; agora é pré-sal e sabe lá o que mais, num caminho de degradação da condição de professor que não parece ter fim.
Foi numa escola estadual, mas poderia ter sido numa municipal, em Porto Alegre ou em outra parte, tanto faz; o aluno queria dez pilas para comprar droga, mas poderia ser para comprar pacote de figurinha da Copa, tanto faz. O certo é que nós professores estamos na linha de frente, na linha de tiro. Não eu pessoalmente, que sou um privilegiado por lidar com alunos universitários, que em regra ainda reconhecem naquela figura ali, com o caderno de chamada na mão, alguém que vale a pena ouvir; estou falando da generalidade dos professores.
E quase tanto faz ser de escola particular ou pública: naquela, a agressão do aluno é menos física – trata-se de constranger o professor em sua condição de empregado, que está ali não para educar, mas para paparicar os clientes, que têm a seu lado a razão da grana –; na escola pública, a agressão é menos mediada, mais direta – trata-se de constranger o professor em sua condição genérica de cidadão honrado que traz consigo a tradição, o conhecimento, o mapa da mina, e é pago pelo Estado para oferecer isso tudo às novas gerações. Tem coisa pior que essas duas ordens de constrangimento?
Talvez tenha, e por isso pensei em escrever este texto revoltado. Entre as variáveis sociais e culturais dessa opressão, figuram coisas superiores às forças dos gestores da educação: é o caso da droga, da criminalidade disseminada, das inacreditáveis facilidades que a lei criou para agressores consumados. Isso tudo está fora do nosso alcance. Mas há um inimigo do professor e da educação que está, ou deveria estar, ao alcance do gestor da educação. Esse inimigo é a mentalidade anti-intelectual e anticientífica de grande parte dos pedagogos e dos próprios gestores da educação, em nossos tempos.
Sabe onde se esconde esse inimigo? Na recusa à cobrança de conteúdos. No repúdio à prova de conhecimentos. No menosprezo à leitura de livros clássicos. Na ridicularização do professor que quer dar aulas expositivas. No endeusamento de parcialíssimas premissas do dito construtivismo. Na fantasia da aquisição e da construção do conhecimento como coisa indolor e acessível aos que não se esforçam.
Este inimigo – repito, para não comprar a briga errada – é uma mentalidade, que está no poder e que se expressa pela voz dos pedagogos, na maior parte das vezes, e não na dos professores. Combater esse inimigo é parte indispensável da luta pela restauração da dignidade do professor.
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